Nada obriga a que a publicação da revista Meridional sirva de pretexto para uma reflexão sobre o panorama editorial no Algarve. O seu acontecimento poderia resumir-se a um exercício sobre si própria e nada teríamos que lhe reclamar.No entanto o aparecimento da revista, pelas mãos do Instituto de Cultura Ibero-Americana e da editora Sul, Sol e Sal não deixa de apelar, também, a uma consideração sobre os contextos de publicação e difusão do trabalho intelectual desenvolvido na região.
Tempos houve em que o Algarve dispunha de várias revistas onde se divulgavam a criação artística e literária, a investigação histórica ou o pensamento sobre os vários temas da vida da região. Lembro, para me cingir apenas a publicações culturais, de títulos como a En Cena, a Stylus, a Atlântica ou a Sul.
Atualmente as revistas que existem são poucas e na maioria tuteladas por autarquias ou instituições públicas e a propósitos muito específicos. As que saem fora desse parâmetro têm um carácter marginal e circulam entre um número reduzido de leitores. Estas circunstâncias colocam-nos perante interrogações nem sempre fáceis de responder.
Não podemos afirmar, de forma perentória, que esta situação se deva à falta de produção intelectual ou que existindo não se verifique vontade das instituições, públicas e privadas, sobre tudo públicas para a divulgar, promover e usar esse conhecimento em benefício da comunidade. O mesmo acontece em relação ao interesse, ou não, do público.
O que é certo é que as revistas de iniciativa ou temática algarvias escasseiam e sabemos que a sua existência é um barómetro, um indicador da produção intelectual, da inquietação e da apetência da comunidade pelas artes e pelo conhecimento. É do conhecimento geral os baixos índices de leitura dos portugueses e de como eles se agravam no Algarve. E por essa razão ainda mais é de louvar o aparecimento da Meridional.
Maria da Graça A. Mateus Ventura, diretora da publicação, identifica no Editorial os marcos da revista; «Cruzar o Mediterrâneo em todas as direções, seguir os Homens, os navios, as ideias, as religiões, as artes de viver. Eis o propósito da Meridional, desafiando a terra e o mar, escalando os picos íngremes, contornando as ilhas e os promontórios, enfrentando os desertos, seguindo os nómadas, detendo-se nas velhas e novas urbes, questionando o caleidoscópio de sentimentos que une e diferencia o Mediterrâneo através da literatura, da história e da imagem».
Não será despropósito dizer que nos genes da revista ainda se reflete aquela propensão para a viagem tão incisiva em Manuel Teixeira Gomes. A viagem como espaço de deslumbramento com o exótico, o diferente. A viagem no sentido da procura do conhecimento e da transformação da sociedade.
É este nascer com um olhar para fora, um olhar que não negligencia o interior, mas procura defini-lo no confronto com o outro, o aspeto mais aliciante e prometedor da revista. Assumir o Algarve enquanto parte de um contexto de relações mais alargado parece óbvio, mas a prática tem revelado o quão difícil é pensar o local numa perspectiva mais ampla.